O caso de Ellen West

Parte I – O Caso de Ellen West: Introdução 

Ellen West (1888-1921) foi um dos casos emblemáticos no desenvolvimento da psiquiatria fenomenológica-existencial e dos transtornos alimentares. Um dos psiquiatras responsáveis pelo caso foi Ludwing Binswanger (1881-1966), suíço e pioneiro na Psicologia Fenomenológica-Existencial, sendo o primeiro médico da época a conciliar as ideologias da Fenomenologia e do Existencialismo na psicoterapia.

Binswanger descreveu e analisou teoricamente o caso de Ellen West por muitos anos, mesmo após Ellen ter falecido. Este caso tem auxiliado o desenvolvimento da área psiquiátrica e psicológica em relação aos transtornos mentais; deste modo, as compreensões das características apresentadas no caso não estão devidamente adequadas ao momento atual da medicina psiquiátrica.

Parte II – O Caso de Ellen West: História Clínica

Sobre o caso, sabe-se que a família do lado paterno de Ellen trazia diversos casos de transtornos psiquiátricos e suicídios; o pai de Ellen foi descrito por Binswanger como obsessivo-compulsivo. Ellen West era a filha do meio de três filhos e, durante a sua adolescência e período jovem adulto, Binswanger pôde analisar, junto aos diários da paciente, que ela expressava um peso pela vida, trazendo em sua consciência uma obsessão pela ideia da morte, tornando-se este o seu objetivo de vida, chegando a lhe causar bastante ansiedade.

Inicialmente, pelos sintomas que Ellen apresentava, primordialmente aqueles vinculados à ideia da morte, ela foi diagnosticada pelos médicos com: melancolia, neurose obsessiva e esquizofrenia. Quando Binswanger a analisou pela primeira vez, ele considerou o diagnóstico de psicose maníaco-depressiva, porém Ellen não apresentava fases maníacas. Contudo, sua vida trazia funcionalidades consideradas comuns para as idades vividas: tinha amigos na escola, ia bem nas matérias que gostava, mas não tão bem nas que não gostava, cuidava da família e dos irmãos.

Mas e sobre o transtorno alimentar? Durante seus 20 anos de idade, Ellen teve variações de peso e, durante um período em que cuidou de seu irmão que estava muito doente, foi a última vez que Ellen conseguiu comer tranquilamente. Nesta mesma época ela teve um romance, porém seu pai a faz desmanchar o noivado; até esta fase, Ellen demonstrava amar a vida. Contudo, retorna a apresentar as sombras da dúvida e do medo, sentindo-se pequena e abandonada. É então que ela manifesta o medo de engordar; ela começa a fazer longas caminhadas incessantemente, restringe a ingesta de doces e demais alimentos que possam engordar, e passa a fazer uso de laxantes e vômitos autoinduzidos. Apresenta, então, um quadro claramente depressivo, sentindo-se inútil e indigna. Ela então descreve o quanto o seu eu-interior está em fusão com seu corpo e formam uma única unidade; e caminha a se ver cada vez mais gorda, velha e feia – considerando-se apática, não melancólica -, colocando-se a buscar pela morte, caso sua “grande amiga” demore a busca-la.

Aos 28 anos, Ellen se casa com seu primo e segue atormentada pelo constante conflito entre seu desejo de comer e o medo de engordar; então sofre um aborto espontâneo devido à desnutrição, e sua menstruação é cessada devido ao baixo peso. Sua ingesta alimentar continua a diminuir, e passa a ser vegetariana. Aos seus 32 anos, ela aumenta a dosagem dos laxantes e a restrição, ficando satisfeita ao perceber a perda de peso, porém apresenta compulsão alimentar devido aos longos períodos de restrição. Para Ellen, todos os bons propósitos e proveitos da vida somem quando ela pensa no que lhe parece ser impossível, que se trata de necessitar escalar a montanha de conseguir comer e não purgar. Nesta época ela ama a vida e seu marido, mas não quer pagar o preço para reaver sua saúde.

Aos 33 anos, Ellen tenta suicídio por medicamento duas vezes, na primeira seu analista não considera preocupante, já na segunda vez ela é indica ao tratamento clínico. Neste período ela expressa comportamentos alimentares vorazes e, apesar de continuar seus estudos, seus pensamentos ainda se apresentam obcecados por comida. Ao perceberam não melhorar, Ellen é levada a um sanatório onde iniciam os diagnósticos psiquiátricos anteriormente citados. Durante o tratamento de alguns meses, ela se percebe capaz de lidar com as condições de sua vida, menos em relação ao dilema da comida. O médico responsável pelo tratamento e Ellen concordam dela voltar para casa, saindo com o peso aproximadamente igual ao que entrou: 47 kg. Ellen chega a passar alguns dias com a família, mas não aguenta os conflitos com seus pensamentos e sentimentos, então comete suicídio por envenenamento.

 

Parte III – O Caso de Ellen West: Análise

Binswanger compreende o caso por meio da existência do indivíduo, sendo assim, para acessar a existência de alguém apenas é possível por meio de uma compreensão holística (integral). Deste modo, ao olhar para o indivíduo não o descontextualiza, pois considera ser na intersubjetividade que a subjetividade é constituída, ou seja, é necessário que o indivíduo estabeleça relações interpessoais para que experiencie e experimente a sua existência e possa se constituir e se compreender.

Analisando o caso de Ellen, Binswanger a olhou de uma forma mais existencial e filosófica, partindo de suas experiências consigo mesma na relação com os outros; deste modo, a diagnosticou inicialmente com bulimia nervosa e medo mórbido de engordar, compreendendo a bulimia nervosa em Ellen enquanto uma expressão de seu vácuo existencial a preencher suas necessidades; posteriormente, seu diagnóstico viria a migrar para anorexia nervosa, devido à perda de peso excessiva. Carl Rogers, psicólogo humanista da Abordagem Centrada na Pessoa, por volta da década de 1950, analisou o caso descrito por Binswanger e compreende que, após ter terminado o primeiro noivado em desacordo com os pais, Ellen experienciou um momento de estranhamento consigo mesma, fazendo com que ela perdesse a confiança em suas experiências. Para que ela pudesse se encaixar na opinião dos outros, ela perde peso e desenvolveu o medo mortal de engordar. Para Rogers, se houvesse a oportunidade de Ellen se abrir e olhar para suas próprias experiências, estas poderiam leva-la a desenvolver melhor maneira de se relacionar com os outros.

Nos conhecimentos atuais sobre os transtornos alimentares e outros transtornos psiquiátricos, nota-se a importância que o caso de Ellen West teve para o desenvolvimento das compreensões psiquiátricas e psicológicas na perspectiva fenomenológica-existencial, a qual estende seu olhar para além das descrições sintomatológicas levando a um olhar para a existência e experiências do indivíduo.

 

Thaís Gazotti

Psicóloga (CRP 06/126044)

Mestre em Psicologia (PUC-Campinas)

Especialização em Tratamento Psicológico de TAs (AMBULIM-IPq)

Doutoranda em Ciências da Saúde (FMUSP)

Atuação clínica particular, docente e colaboradora no AMBULIM.

 


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